Já estamos nos encaminhando para o fim de Julho e logo, em Agosto, teremos Expointer, ocasião em que mais uma vez o agronegócio vai mostrar sua força com recordes de produção devido a investimentos em tecnologia e mecanização. É o agronegócio do século XXI que é penalizado pela infraestrutura que remonta os anos 60, 70. É o que chamamos de gargalo para produção. São rodovias péssimas. Transporte hidroviário subutilizado e ferrovias, vejam só, praticamente, inexistentes.

Estudo realizado pela extinta Secretaria de Desenvolvimento em Infraestrutura do Ministério da Economia (SDI-ME) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) buscou quantificar os impactos das ferrovias brasileiras. O estudo avaliou sete projetos de distintos setores de infraestrutura e, no caso da logística de cargas, o projeto escolhido foi o da Ferrovia Norte-Sul (EF-151), Tramo-Norte, que conecta cidades ao norte de Brasília à costa do Maranhão.

O estudo quantificou, com modelos econométricos sofisticados, o impacto da proximidade dos municípios a um eixo territorial. As estimativas demonstraram que os municípios mais próximos apresentaram uma taxa maior de crescimento do PIB, do PIB per capita, da população, maior taxa de crescimento e aumento da área colhida da produção agrícola, aumento da produção de soja e de milho. Ainda, municípios mais próximos tiveram aumento de alfabetização.

A verdade é que o modal ferroviário tem a capacidade para impactar forte e positivamente o âmbito social, ambiental e econômico das regiões. Ainda conforme o estudo, as taxas de crescimento do PIB médio, do PIB per capita e da taxa de crescimento da população para os municípios distante até 200km da ferrovia seriam, respectivamente, 39,8%, 42,9% e 35.9% menores do que de fato ocorreu, caso não tivesse sido construída a ferrovia FNS.

Os parâmetros que integram o estudo podem ser aplicados, por exemplo, em estudos de viabilidade econômico-financeira, onde a implantação de ferrovia com característica semelhante, cada 1% de crescimento anual médio deveria ser substituído por 1,66% com a implantação da infraestrutura. No caso do RS, uma política pública de irrigação aliada a uma política pública do modal ferroviário viabilizariam crescimentos exponenciais do Estado, sendo que a ferrovia, por si só, seria capaz de produzir impactos importantes para o desenvolvimento regional e relevantes ganhos de competitividade.

O atual marco legal das ferrovias foi publicado no final de 2021. A primeira ferrovia no Brasil remonta a metade do século XIX, viabilizada em razão da Lei José Clemente, que autorizava a outorga à iniciativa privada de obras de infraestrutura no País e, mais especificamente, pelo Decreto nº101, de 31 de outubro de 1935 (Decreto Feijó), que autorizava a concessão de ferrovias. Durante o século XX, a infraestrutura ferroviária no Brasil foi explorada basicamente por empresas estatais, com destaque para a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), extinta no início de 1990. Desse modo, a malha ferroviária brasileira acabou sendo objeto de diversas concessões na tentativa de atrair o setor privado e desenvolver o setor. Como o modelo não atendeu as necessidades, o Congresso Nacional acabou por alterar a legislação com o intuito de aprimorar o sistema legal para conferir segurança jurídica, desburocratizar o segmento e permitir a atração de mais investimentos.

A lei prevê a diminuição da regulação no setor e busca eliminar os desequilíbrios existentes no setor, retirando a exigência de concessão e introduzindo o sistema de autorização, simplificando regras, eliminando burocracias e neutralizando a morosidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Outras novidades trazidas pelo texto estão a autorregularão, a classificação de acidentes conforme a gravidade, previsibilidade e inevitabilidade, evitando assim punições desproporcionais. Essa premissa influi, em outro ponto do texto, a contratação de seguros de responsabilidade civil, uma vez que  o sistema previsto por outorga de autorização para construir ou adquirir ferrovias e explorar o transporte sobre trilhos de sua propriedade está dentro do regime de direito privado.

O sistema de autorregulação não enseja controle de preços pelo órgão regulador, sendo que as autorizatárias serão submetidas ao controle de órgãos de defesa ao consumidor que detém autoridade para coibir a cobrança de preços abusivos. As autorizações se darão por prazo determinado, de 25 a 99 anos, a ser proposto pelo autorizatário que avaliará o período necessário para a amortização do investimento que se propõe a realizar, até porque é quem assumirá os riscos e avaliará a viabilidade do negócio.

O modelo proposto se assemelha ao utilizado no Japão em que são agregados outros negócios ao operador ferroviário a fim de gerar receitas adicionais que viabilizem o empreendimento. Naquele país oriental, existem receitas oriundas de hotelaria, estacionamentos, restaurantes, bem como o uso compartilhado de infraestrutura em áreas urbanas. Nessa ideia de melhorar a eficiência, vale frisar, incluem-se incrementos de segurança, sustentabilidade, diminuição de custos, entre outros aspectos decorrentes dos princípios gerais que continuam a reger o gerenciamento da infraestrutura e da operação de transportes terrestres.

O marco legal das ferrovias e os estudos realizados podem ser instrumentos valiosos no sentido de viabilizar tanto as linhas ferroviárias internas em propriedades particulares que escoem produção até uma linha tronco. Será possível implementar linhas que ultrapassem fronteiras municipais e estaduais. A autorização para exploração de ferrovias reconhece que existe um grande espaço para explorar o setor para que essa modalidade de transporte possa operar com benefício da liberdade de empreender, em que os investidores têm maior latitude para aplicar e gerir seus recursos, e em contrapartida os obriga a assumir todos os investimentos e riscos do negócio.

 

Dr. Mateus Klein, advogado sócio do MF Klein Advogados
Especialista em Direito Público, PPPs e Concessões, Infraestrutura e Regulatório.
Coordenador da Comissão Permanente de Infraestrutura da Federasul.