Diante do cenário atual da pandemia, chega-se ao momento em que as atenções estão todas voltadas para a vacinação da população e o retorno à normalidade das atividades laborativas, de onde os empregadores já começam a mirar sua atenção aos impactos que a vacinação terá nas relações trabalhistas.

Havendo significativas evidências de que uma parcela dos trabalhadores poderão apresentar resistência em ser vacinados, e valendo-se da decisão do STF, ocorrida em 17 de dezembro de 2020, em que julgou pela constitucionalidade da obrigatoriedade de imunização por meio de vacina, que registrada em órgão de vigilância sanitária tenha sido incluída no programa nacional de imunizações, diversos artigos e pareceres passam a ser publicados, principalmente titulando que o empregado que se recusar a tomar vacina ou usar máscara poderá ser demitido, encorajando muitos empregadores a tomar tais medidas.

O próprio Ministério Público do Trabalho apresenta entendimento de que os trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina contra a covid-19 sem apresentarem razões médicas documentadas poderão ser demitidos por justa causa. Ressalva, e de forma acertada, que as empresas devem investir em conscientização e negociar com seus funcionários, mas o entendimento é de que a mera recusa individual e injustificada à imunização não poderá colocar em risco a saúde dos demais empregados.

Tal posicionamento se embasa no fato de a vacinação se tratar de uma questão de saúde pública, interesse coletivo e segurança no trabalho, essencial, assim, para a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme previsto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal, combinado com o dever da empresa de cumprir e fazer cumprir normas de segurança e medicina do trabalhando instruindo empregados quanto às precauções de doenças e adotar medidas determinadas pelo órgãos competentes, conforme estipula o artigo 157 da CLT.

Alertamos, no entanto, sobre a complexidade do tema, o qual não nos permite, s.m.j., uma resposta tão simples e definitiva, quando ainda se observa uma distribuição díspar de vacinas entre as cidades, dificultando a existência de um calendário único.

Ademais, no caso das vacinas contra a Covid-19, não há, ainda, qualquer medida de Estado obrigando a vacinação, o que só pode ser determinado por lei específica, conforme exposto pelo próprio julgado do STF. Em última análise o que estará em avaliação é a contraposição do direito de todos de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, consagrado no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, com o direito à saúde coletiva também previsto na Constituição Federal, assim como o dever legal do empregador em zelar pela saúde de seus funcionários.

Portanto, e observando o entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal, sendo oportuno destacar parte da fala da Ministra Carmen Lúcia sobre o tema “A Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”, verifica-se a prevalência do interesse coletivo sobre o interesse individual.

Assim, para a avaliação de aplicação de justa causa, entendemos que a primeira avaliação a ser realizada é observar se a negativa do funcionário está causando prejuízo à coletividade.

Neste aspecto, por exemplo, deve ser avaliado se o trabalho desenvolvido por este funcionário pode ser realizado de forma remota, pois nesse caso, sua recusa não causaria qualquer impacto nos demais funcionários e não haveria justificativa para a aplicação de penalidade tão grave como a justa causa.

Outro ponto a ser avaliado é o ramo de atuação da empresa. Empregados da área da saúde, por exemplo, em que há a exigibilidade de trabalho presencial e que a negativa dos mesmos à realização da vacina, coloca em risco à sua vida, a vida dos colegas e até mesmo dos pacientes que são atendidos, a tendência é de o Judiciário validar a aplicação de justa causa, assim como já ocorreu em sentença proferida recentemente em processo do Estado de São Paulo, amplamente noticiada.

Por fim, e observado o dever do empregador para com a orientação aos seus funcionários, recomenda-se que, mesmo nas situações que a empresa possa entender pela aplicação da justa causa, procure tomar as cautelas necessárias quanto à devida orientação, campanhas internas para vacinação, liberação dos funcionários para tanto, assim como a graduação das penas.

Ou seja, em havendo recusa do funcionário, o empregador inicialmente aplique advertência, em havendo nova recusa poderá fazer uso da suspensão contratual, para somente então aplicar a justa causa, de forma a demonstrar que alertou previamente o funcionário sobre tal possibilidade, buscando paralelamente conscientizar o mesmo da importância da vacinação para o coletivo da empresa.

Alertamos, ainda, que a empresa avalie a eventual justificativa apresentada pelo funcionário para recusa à vacina, caso a caso, de forma a verificar se há algum fundamento, especialmente se houver alguma espécie de recomendação médica nesse sentido.

Para finalizar, reiteramos que a justa causa é medida extrema que somente deve ser aplicada para faltas graves cometidas por funcionários, observada a graduação das penalidades e demais requisitos previstos em Lei, e que para a hipótese da recusa na vacinação deverá ser avaliado todos os aspectos acima indicados, antes da efetivação da mesma.

Por Martha Macedo Sittoni e Adriana Schnorr

23 julho de 2021