Por força da Lei 10.035/00, as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho e os acordos por ela homologados devem indicar a natureza jurídica de suas parcelas, isto é, se indenizatórias ou remuneratórias, assim como a responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária devida.

Em que pese essa determinação legal, por privilegiar a conciliação como forma de composição de conflitos e como meio de incentivá-la, esse ramo do Judiciário sempre possibilitou liberdade às partes para negociarem sobre as parcelas que envolvem os acordos.

Assim, o Judiciário Trabalhista vem permitindo que as partes ajustem apenas a incidência de parcelas de natureza indenizatória, especialmente quando há correlação entre os pedidos feitos na petição inicial e os valores ajustados.

Como inexistia qualquer vedação expressa na legislação, vem sendo homologados, inclusive, acordos em que as partes atribuem natureza indenizatória a verbas não postuladas na petição inicial ou que não guardem exata proporção entre as de natureza remuneratória e indenizatória objeto da ação.

Essa questão, aliás, é objeto da Súmula nº 40 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ACORDO. PARCELAS NÃO POSTULADAS. Na fase de conhecimento, a inclusão no acordo de parcelas não postuladas ou a não observância da proporcionalidade entre as parcelas de natureza remuneratória e indenizatória objeto da ação, não caracterizam, necessariamente, simulação ou fraude à lei.”

No entanto, a Lei 13.876/2019, de 20 de setembro de 2019, que dispõe a respeito dos honorários periciais devidos em ações em que o INSS é parte, acabou trazendo importante alteração nesta questão.

Foram acrescidos os parágrafos 3º A e B[1], dispondo a respeito da obrigatoriedade de pagamento de INSS em relação aos acordos e decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, em ações cujo objeto não seja exclusivo em relação às matérias de cunho indenizatório. Em verdade, a Lei cria embaraços, onde outrora não havia, no tocante à base de cálculo das contribuições.

A norma inova ao fixar base de cálculo mínima para incidência da contribuição previdenciária, estabelecendo que deve ser observado salário mínimo para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido, ou ainda, a diferença entre a remuneração reconhecida como devida e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente à cada competência, não será inferior ao salário mínimo.

Importante referir que a regra contida no inciso I, vale para qualquer ação procedente de pedido de vínculo, resolvida em sentença ou acordo. Ou seja, o acordo não mais pode ter por conteúdo apenas pagamento de verbas indenizatórias ou se limitar à declaração do vínculo, sendo que sempre haverá obrigação de recolhimento previdenciário (mesmo que apenas sobre o valor de um salário mínimo).

Diversas são as dificuldades interpretativas sobre a legislação.

A primeira delas, está pautada justo no conceito de salário mínimo como base de cálculo. Parece-nos lógico que o legislador presume, quando reconhecida a relação empregatícia, que a remuneração mínima deva ser o salário mínimo, valendo-se da previsão constitucional que assim institui. Todavia, o faz sem diferenciar os inúmeros tipos de relações contratuais possíveis, tais como a contratação em regime de tempo parcial ou contrato intermitente que, em que pese devam respeitar o salário hora compatível com o salário mínimo, poderão ter valor inferior a este quando da soma das horas trabalhadas no mês.

A segunda dificuldade interpretativa é quanto à contemplação nas ações de postulações referentes às diferenças relacionadas à salário variável, como comissões, por exemplo. Isso porque, via de regra, não possuem qualquer relação com o salário mínimo (ou contratual), de modo que não se poderia estabelecer base de cálculo superior à da parcela reconhecida como devida.

A terceira dificuldade decorre da interpretação literal que pode ser dada ao referido dispositivo de lei, pois enquanto o parágrafo 3º está tratando tanto de decisões cognitivas (sentenças), quanto de homologações de acordo, o parágrafo 3º-A parece tratar apenas das homologações de acordo, embora não diga isto expressamente.

Isto porque seria ilógico pretender o recolhimento mínimo em ações que cumulam pedidos remuneratórios e indenizatórios, quando a procedência é apenas para pedidos de natureza indenizatória.

Seguindo o mesmo raciocínio, passa a parecer ilógico também pretender a incidência de recolhimento previdenciário mínimo em decisões homologatórias de acordo, pois se podemos ter uma sentença que julga improcedente os pedidos de natureza remuneratória e procedente apenas os pedidos de natureza indenizatória, faz crer que, para fins de acordo, também possamos abdicar dos pedidos de natureza remuneratória e efetuar acordo considerando apenas os pedidos de natureza indenizatória, pois talvez essa fosse ser a solução final do Judiciário.

Ainda, pretender a incidência de recolhimento previdenciário mínimo em acordos contraria o disposto no art. 515, parágrafo 2º do CPC, na medida que nenhum dos parágrafos acrescidos afasta, revoga ou mesmo torna inaplicável o dispositivo do CPC que prevê que autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

Por fim, mais complexa fica a interpretação quando se lê o contido no parágrafo 3º-B, que estabelece quando da existência de piso salarial da categoria, que seu valor seja utilizado como base de cálculo. É de conhecimento geral que não raras vezes, não há discussão na demanda acerca do piso salarial, de forma que entendemos que o Juiz não poderia aplicar tal base de cálculo independentemente da vontade das partes, devidamente delimitada na ação. Diante disso, a única interpretação possível ao parágrafo 3º-B, é a de que o piso salarial seja adotado em substituição ao salário mínimo para fins de base de cálculo mínima das contribuições previdenciárias, apenas nas demandas em que efetivamente, houver discussão a respeito do piso aplicado ao caso concreto.

Assim, embora o esforço à conciliação promovido pelo Judiciário, o aumento de arrecadação pretendido pela Lei desestimulará o acerto entre as partes.

O que também se vislumbra, por ora, é que, dadas as dificuldades na interpretação da Lei, como acima abordado, novas batalhas jurídicas serão travadas, incumbindo ao próprio Judiciário, assim, ditar seu efetivo alcance.

Martha Macedo Sittoni, Ana Luísa Mascarenhas Azevedo e Adriana Schnorr

Membros da Comissão Trabalhista e da Divisão Jurídica da FEDERASUL.

[1]Art. 832 – Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
3o As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.
3º-A.  Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior:  (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
I – ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
II – à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo.   (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo.   (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)