A nova Lei 14.133/2021 de Licitações, está trazendo muitas dúvidas na esfera pública: a possibilidade de adequação de até dois anos, período de “vacatio legis”para revogação da lei 8.666/93, da Lei 10520/02, chamada lei do pregão, e dos primeiros artigos até quarenta e sete da lei do RDC e na esfera privada, a instabilidade de tantas transições e mudanças que impactam no negócio de empresas.

Pairam discussões aos servidores públicos de qual legislação aplicar, sendo que não se poderá utilizar modelo híbrido, ou seja, se decidir ir para a nova legislação não se utiliza a anterior, e consequentemente os embaraços jurídicos, pois, cabe a escolha do administrador escolher a lei a seguir, considerando os diversos diplomas legais, regulando as licitações públicas.

Acerca de breves considerações, a L.8666/93 conhecida como Lei de licitações e Contratos, à época após 05 anos da Constituição Federal/88, vinha se ajustando aos instrumentos jurídicos para sua própria regulamentação e perdurou assim por 30 anos.

Mas, o cenário público e econômico é totalmente diverso do anterior, e necessitava evoluir, principalmente no aspecto procedimental, na adequação a legislação, como por exemplo: a introdução da lei anticorrupção, com regras de compliance e princípios de transparência.

É possível perceber que a nova legislação revigorou princípios constitucionais, em vários dispositivos, bem como fortemente entendimento jurisprudencial dos Tribunais dos Estados, STJ, STF, TCU, TCE, controle interno e externo, através de seus atos normativos, orientações, decisões e acórdãos.

Numa visão mais otimista econômica financeira para as empresas, prestadores de serviços e aqui trataremos de obras e serviços de engenharia, a nova legislação além dos princípios já imperativos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, com ênfase na transparência, traz a novidade de inclusões do planejamento, da segurança jurídica, e em seus artigos encampa o programa de integridade código de conduta e ética, e responsabilidade civil do agente público, com penalidades, que causam arrepio aos procuradores públicos, ao elaborarem pareceres motivados a respeito de licitações.

Por outro lado, aspectos relevantes e preocupantes, especificamente analisados pelo TCE/RS, sobre as licitações envolvendo a contratações de obras e serviços de engenharia, e os graves problemas com as contratadas, que geram milhões de prejuízos ao erário público. Senão vejamos[1]:

Segundo o estudo do TCE/RS, efetuou a pesquisa da situação de obras suspensas ou paralisadas nos órgãos Municipais e Estadual, com valores superiores a R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), iniciadas a partir de 2009 e/ou convênios vigentes.

Concernente ao âmbito Estadual, os mais representativos são: Secretarias de obras públicas, secretaria de educação e SUSEPE, juntos respondem por 71,44% das obras informadas, e fontes de recursos em valores absolutos, o montante financeiro de contratos de financiamento corresponde a R$37.246.542,65 (trinta e sete milhões, duzentos e quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta e dois reais e sessenta e cinco centavos), equivalendo a 39,44$ do total de recursos disponibilizados. E a utilização de recursos próprios totaliza R$28.406.225,32 (vinte e oito milhões, quatrocentos e seis mil, duzentos e vinte e cinco reais e trinta e dois centavos), equivalendo a 30,08% dos recursos disponibilizados.

Conforme conclusão do TCE/RS, dados preocupantes da má gestão pública/órgãos que negligenciam o erário público, causando mais dívidas, se não geridas conforme diretrizes orçamentárias, imputando também em crime de responsabilidade fiscal.

Dentre as 89 obras informadas como paralisadas, apresentamos, a seguir, as 10 maiores em termos de valores contratuais atualizados, seguindo a ordem de Obra, órgão, local e valor em reais, finalizando o valor total acumulado até o momento da pesquisa efetuada:

  • Prolongamento da Severo Dulius – PM de Porto Alegre – R$ 67.610.154,16
  • Duplicação das Avenidas Silva Paes e Teresópolis e prolongamento da Avenida Gastã Hasslocher Mazeron – PM de Porto Alegre – R$ 49.500.581,04
  • Implantação do projeto de irrigação da Costa Doce Sistema Velhaco – PM de Arambaré – R$ 40.919.114,51
  • Barragem de Arvorezinha – PM de Bagé – R$ 34.607.117,41
  • Duplicação da Rua Voluntário da Pátria entre à Rua Ramiro Barcelos e Avenida Sertório – PM de Porto Alegre –  R$ 34.191.957,10
  • Passagem inferior da Avenida Plínio Brasil- PM de Porto Alegre 31.089.912,03 Construção da Penitenciária Estadual De Guaíba – SUSEPE – GUAÍBA – R$ 23.760.422,00
  • Execução das obras de ampliação da ETE Freeway 1ªetapa SES Cachoeirinha- CORSAN –Cachoeirinha22.390.591,46 Pró Transporte 1ª etapa – PM de Cruz Alta – R$ 20.509.490,21
  • Ampliação do serviço de Esgotamento Sanitário da Bacia Prado Village e Alexandrina – DAE – Santana do Livramento – R$ 14.963.320,15
  • Total de valores gastos com obras paralisadas – R$ 339.262.660,07

*Ressalva do presente estudo, lembrando que o disposto no artigo 45, caput da Lei Federal n°101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o qual determina que a lei orçamentária e as de crédito adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público.

Atinente às paralizações, os motivos são: descumprimento de especificações técnicas, questões técnicas que vieram a serem conhecidas somente após a licitação, discussão de aditivo motivada por questões técnicas, irregularidades por problemas afetos ao meio ambiente, contingenciamento de recursos próprios, a empresa não entregou a garantia de obra exigida no contrato, atraso de pagamento da primeira fatura, obra paralisada aguardando execução do aterro CT 118/17 CORSAN, aguardando elaboração de termo aditivo e riscos decorrentes de erros e vícios construtivos.

Neste cenário preocupante de gastos expressivos e rombo no erário público, surge com mais força o seguro garantia de obras e serviços de engenharia, execução de contratos e responsabilidade civil, e aqui cabe uma distinção que não se trata da garantia de proposta no início do procedimento elencado no artigo 58 da Lei 14133/21.

Mas, do seguro garantia previstos a partir do artigo 96 §1°, inciso II e em vários outros aos quais dentre estes se destacam uma novidade: a chamada “matriz de risco”, na definição “ipis litteris”: “cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, a listagem de eventos supervenientes a assinatura do contrato; previsão por tipo contratual de termos aditivos por ocasião de ocorrência; e diversas obrigações contratuais.

Nesta toada, o empresário necessita se atualizar e ter opinião técnica especializada no assunto, para buscar no mercado segurador apólices que atendam suas necessidades para garantir os riscos em decorrência das obras e serviços de engenharia.

Cabe maior atenção, os percentuais de garantia trazidos pela nova lei para as contratações de obras, serviços e fornecimento, sendo a exigência do percentual de seguro garantia que variam entre 5% (cinco por cento) no início do contrato, autorizada a majoração para 10% (dez por cento), desde que justificada.

Tais discussões sobre este aspecto de percentuais de seguro garantia, envolvendo valores de grande monta, perdurou nos debates do projeto de lei na Câmara dos deputados, para se definir qual seria o percentual mais adequado, o que à época se cogitou em torno de 100%, e mais tarde chegando à conclusão de inviabilidade do mercado, ficando em 30% (trinta por cento).

Outro ponto relevante é a previsibilidade de cláusula de retomada chamado nos EUA de “step-in right” (a seguradora pisa dentro), porque são inúmeros os problemas financeiros na execução do contrato, evitando desta forma verdadeiros “elefantes brancos”, ou seja, a ineficiência do Estado e o dispêndio de mais recursos públicos.

Também importante, que através do estudo mostrado pelo TCE/RS, obras acima de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), são gargalos de problemas ao erário público, e não apenas grandes vultos, envolvendo municípios e o Estado do RS.

Bem como, a responsabilidade civil, por conta de acidentes envolvendo obras e serviços de engenharia, que abarrotam o poder judiciário, e por consequência inúmeros precatórios contra o Estado.

Contudo, há necessidade de amadurecimento do mercado, tanto por parte do ente público em conhecer o seguro garantia, e como funciona, pois, não se tem cultura de seguros no Brasil, principalmente a responsabilidade civil, o que é bem o oposto nos EUA.

Por outro lado, as seguradoras cabem se adaptarem as coberturas securitárias para este novo mercado; com exigências, clausulados claros, abrangentes e precificações que não inviabilizem a contratação, pois, a vantagem são inúmeras ao ente público concedendo a seguradora, que possui políticas de “compliance” e “expertise” no mercado, avaliando empresas idôneas para cumprimento do certame licitatório.

E por fim, não menos importante, as empresas deverão se adequar a um novo ciclo, abrangência de seus negócios, atentarem para normas de conduta, terem corretores de seguro qualificados para atenderem tais necessidades de garantias de riscos, e analisarem custos, pois, uma carta fiança bancária por exemplo; por vezes é mais onerosa que o seguro garantia, sem falar no endividamento junto a instituição, prejudicando fluxo financeiro da empresa.

[1]http://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/Relatorios/Relatorio_obras_suspensas_paralisadas_novo.pdf

 

 

Jaqueline Wichineski dos Santos

Membro da Divisão Jurídica da Federasul

28 junho de 2021.