COVID-19 e a “constatação prévia” nos processos de recuperação judicial
Ao ingressar com seu pedido de recuperação judicial deverão as empresas, nos termos do Artigo 51 da Lei de Recuperação Judicial, além de expor as razões da crise econômico-financeira enfrentada, apresentar diversos documentos com a finalidade de demonstrar seu histórico financeiro dos últimos 3 (três) anos, e momentâneo, através de suas demonstrações contábeis (balanço patrimonial, demonstrações de resultados acumulados, demonstrações do resultado desde o último exercício social, relatório gerencial de fluxo de caixa e sua projeção), bem como, de sua situação atual, através da apresentação da relação nominal de seus credores e de seus funcionários, entre outros.
Todavia, a despeito da inexistência de dispositivo legal, mas atendendo a Recomendação nº 57 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 22 de outubro de 2019, verifica-se a prática entre os Juízes das Varas de Recuperação Judicial e Falência de determinar a realização de uma constatação prévia, anteriormente a decisão de processamento do pedido de recuperação judicial.
Tal constatação, que em muito se assemelha a uma perícia, tem como objetivo, nos termos do Artigo 1º da referida Recomendação, a identificação “das reais condições de funcionamento da empresa requerente, bem como a verificação da completude e da regularidade da documentação apresentada pela devedora/requerente, previamente ao deferimento do processamento da recuperação empresarial”, e será realizada por um profissional “com capacidade técnica e idoneidade” nomeado pelo Juiz da causa, devendo ser entregue no prazo de 5 (cinco) dias.
Não se desconhece que a finalidade de tal Recomendação é somente permitir que desfrutem dos benefícios decorrentes da Lei de Recuperação Judicial aquelas empresas com efetiva capacidade de soerguimento (já que as empresas inviáveis devem ser liquidadas no processo de falência).
No entanto, diante da pandemia que estamos vivenciando, provocada pelo vírus COVID-19, observa-se que muitos empresários estão reinventando ou readequando o seu modelo de negócio, e ainda, vários deles, estão impossibilitados de exercer normalmente a sua atividade empresária em razão dos Decretos editados pelos Governos Municipal e Estadual, visando conter a disseminação do referido vírus.
Nesse sentido, não parece razoável, pelo menos não nesse momento, que a Recomendação nº 57 do CNJ seja aplicada em sua integralidade pelos Magistrados, notadamente em razão do fato de que todas as empresas foram impactadas, em maior ou menor escala, pela crise decorrente do COVID-19. Desse modo, mostra-se temerária a realização da referida constatação prévia para a identificação “das reais condições de funcionamento” das empresas que ingressarem com pedidos de recuperação judicial durante este período de calamidade pública, sob pena de serem indeferidos com fundamento na referida constatação.
Sabe-se que a Recomendação nº 63 do CNJ, de 31 de março de 2020, apresenta medidas visando mitigar os efeitos decorrentes da pandemia nos processos de recuperação judicial. Todavia, ainda assim, o quanto disposto na Recomendação nº 57 traz insegurança às empresas que tiveram sua atividade afetada e que pretendem ingressar com pedido de recuperação judicial. Quanto a tais empresas, justifica-se, portando, o atendimento parcial da Recomendação nº 57, para que a constatação se dê apenas em relação a verificação da completude e regularidade da documentação apresentada pela empresa devedora/requerente.
Ângela Bonotto H. Paim
Membro da Comissão de Recuperação de Empresas e da Divisão Jurídica da FEDERASUL.