O mercado empresarial, infelizmente, deixou de enxergar o societário de maneira estratégica. A maioria das corporações compreendem que essa área é necessária apenas para o cumprimento das burocracias legais e exigências regulatórias. Assim, mesmo que a existência da empresa é decorrente de regras e normas societárias, esse instituto é renegado por muitas corporações e raramente é pensado como estratégico para o fortalecimento e crescimento do negócio.

Em razão desse “quase” esquecimento dessa área, surge um importante questionamento: será que o papel do societário é realmente apenas burocrático e não existe espaço para ele ajudar no desenvolvimento das empresas, ou seja, ser estratégico?

A resposta é negativa. Isto é, o societário pode e deve ser estratégico, devendo ser desenhado para o crescimento. E, como existe um enorme espaço para torná-lo estratégico, limita-se ao auxílio na captação de recursos, por modelos de dívida privada.

A necessidade de captação de recursos para o financiamento de projetos é incontroversa e essa, regularmente, é oriunda de duas fontes: as internas – sócios e reinvestimento de lucro – ou externas, bancos e investidores.[1]

Em relação as modalidades, a realidade da maioria das empresas financiam os projetos com o reinvestimento do lucro, dinheiro dos próprios sócios ou empréstimos bancários, o que torna a expansão lenta e o dinheiro oneroso. Além disso, essas modalidades, quando analisadas sob a ótica da análise econômica do direito, são ineficientes, visto que é a remuneração pelo fluxo de caixa do empreendimento a forma de distribuição de riscos e retornos mais coesa – economicamente falando.[2]

E, por isso, acredito que duas ferramentas de capitalização societária são essenciais e devem ser conhecidas por todos. A primeira maneira é através da emissão de dívidas, sendo as mais conhecidas as debêntures. Essas são títulos de dívidas em que se confere ao investidor ou debenturista o direito de receber uma remuneração periódica e, no vencimento do título, o valor do principal investido. As debêntures têm como característica ter um longo prazo para o vencimento da dívida.[3]

A segunda maneira é através da emissão de títulos híbridos, esses são mais flexíveis, pois são dívidas que podem ser convertidos em participação societária, desde que as metas/previsões pré-acordadas entre as partes sejam alcançadas. Os dois grandes exemplos dessa modalidade são o mútuo conversível e as debêntures conversíveis em ações. Nesse tipo de investimento, existe a flexibilidade do credor decidir pela conversibilidade ou não, o que demonstra a flexibilidade e a formatação de dívida afasta a caracterização de sócio/acionista.

Ressalta-se, assim, que essas maneiras de captação de recursos são oriundas de mecanismos societários, os quais auxiliam as corporações a desenvolver os seus projetos sem a necessidade de prejudicar os seus atuais resultados. Ainda, esses mecanismos podem ser estruturados por todos os tamanhos de empresas, visto a possibilidade de moldá-los a realidade da corporação.

 

 

[1] LAMY FILHO, Alfredo. Capital social. in Direito das companhias. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (Coord). Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. II. p 194.

[2] CATEB, Alexandre Bueno. PIMENTA, Eduardo Goulart. Análise Econômica do Direito Societário in Direito e Economia no: Estudos sobre a análise econômica do direito. (org. Luciano Benetti Timm). 3ª ed. Indaiatuba/SP. p. 230

[3]Importante mencionar é que essas modalidades, até o presente momento, só podem ser emitidas por Sociedades Anônimas abertas ou fechadas. Contudo, caso a MP 1.040/21 seja convertida em lei, as sociedades limitadas também passarão a ter permissão para emitir esse tipo de dívida.

 

Renan Boccacio

Coordenador adjunto da Comissão de Estudos Societários e membro da Divisão Jurídica da FEDERASUL.

08 julho de 2021.