Durante a recente reunião aberta promovida pela COPEC, o Professor Rogerio Meira, que tratou da ISO 37002 referente ao Sistema de Gestão de Denúncias (palestra disponível aqui) , abordou uma discussão muito interessante sobre o anonimato nas denúncias, inclusive fazendo uma oportuna diferenciação entre anonimato e confidencialidade.

No Brasil, de acordo com o nosso decreto 8.420/2015, as exigências para os canais de denúncia são que sejam abertos a funcionários e terceiros, amplamente divulgados e que existam mecanismos que assegurem a proteção de denunciantes de boa fé.  Por sua vez, as ISOs 37.301 e 37.1001 estabelecem que deve ser disponibilizada uma opção que permita o anonimato.

De acordo com pesquisa da KPMG, no Brasil, em 2019, que contou com a participação de, aproximadamente, 200 empresas de diversos segmentos, 74% das denúncias recebidas são anônimas.

 

Ou seja, no Brasil, não somente o anonimato é permitido, como é extremamente utilizado pelos denunciantes. No entanto, existem países, como a França e Portugal, que possuem leis que proíbem o relato anônimo em Canais de Ética.

Faço, então, a minha provocação: quais as vantagens e desvantagens do anonimato nas denúncias feitas aos Canais de Ética nas organizações no Brasil?

No meu ponto de vista, a maior vantagem está na liberdade de poder relatar um fato sem ter a preocupação de se identificar, aumentando as chances de a denúncia realmente ser feita, considerando especialmente que a cultura brasileira não incentiva a denúncia, muito pelo contrário, desde crianças somos ensinados e estimulados a não ser “X9”.

Em dissertação apresentada, em 2020, à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da FGV,  Fabiana Vieira Lima, através de pesquisa feita em banco de dados de denúncias obtidos a partir dos dados abertos da CGU, realização de entrevistas e aplicação de questionário, concluiu que as chances  dos servidores realizarem uma denúncia anônima é mais alta em todos os cenários pesquisados, ou seja, independentemente de ser o chefe ou colega envolvidos nas irregularidades, de estar ou não em uma situação financeira ruim, de ser ou não concursado, a denúncia anônima se mantém relativamente alta.

 

Mesmo sendo uma pesquisa realizada no âmbito do funcionalismo público, revela muito sobre a cultura brasileira mencionada acima e nos faz crer na importância, em todos os tipos de organização, da existência de canais anônimos e de um sistema de proteção e incentivos efetivos ao denunciante.

 

Por outro lado, a denúncia anônima abre espaço para a falta de compromisso com o que está sendo relatado e também permite, de acordo com o Prof. Rogerio Meira, o pior efeito colateral do sistema de denúncias: o denuncismo, ou complô, que ocorre quando alguém, no intuito de prejudicar um colega ou uma liderança da organização, começa a criar denúncias, com fatos total ou parcial inverídicos, pois sabe que não será identificado e a reputação da pessoa alvo será, no mínimo, atingida.

 

Como resolver esse impasse tão comum na realidade de quem lida com sistemas de denúncias? Creio que a solução para empresas brasileiras, diante do que vimos acima, passa por investir em forte comunicação e conscientização acerca do uso correto do canal de denúncias, sempre garantindo a não retaliação ao denunciante de boa-fé, mas penalizando e divulgando, sempre que possível, aquelas pessoas que fazem mau uso do canal.

 

Ana Amelia Abreu

14 outubro de 2021