Programas de Integridade são uma realidade nas organizações brasileiras. O programa nada mais é do que a adoção de medidas transparentes e éticas para que a empresa exerça seu papel na sociedade com responsabilidade, cumprindo medidas para diminuir os riscos da atividade empresarial que violem de alguma
maneira a legislação.

Pensando nisso e a fim de cumprir as diretrizes assumidas e ratificadas em tratados internacionais de combate a corrupção, foi criada a Lei nº 12.846/2013, a chamada lei anticorrupção empresarial, que prevê a responsabilização objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos contra a Administração Pública.

No Brasil, os programas de integridade vêm ganhando o cenário na Administração Pública Estadual, na medida em que normas foram editadas para que as empresas vencedoras de uma determinada modalidade de licitação com
determinado valor e período do contrato, implementem o programa de integridade para contratar com a Administração Pública.

  1. PAPEL REGULATÓRIO DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Cabe dizer que a licitação se tornou ao longo dos anos bem mais do que um simples instrumento de compra e contratação. Ela é uma ferramenta de fomento da economia, uma vez que diversas empresas se sustentam unicamente participando de licitações e sua atividade econômica depende quase que exclusivamente dos
contratos firmados com o Poder Público. Dessa maneira, exigindo mais do que o menor preço, a licitação tem por objetivo estimular o atendimento de critérios de eficiência, respeito ao meio ambiente, aos direitos humanos, sociais e trabalhistas, bem como a observação de condutas éticas durante todo o processo licitatório, inclusive durante o contrato, se estendendo às empresas subcontratadas se for o caso.

Aproveitando-se, assim, de seu grande potencial de mobilização de diversos setores da economia por via das compras governamentais, a Administração Pública tem cada vez mais inserido em seus editais de licitação requisitos de participação e exigências voltadas à qualidade do objeto licitado, com o objetivo principal de fomentar determinados setores, atividades ou práticas de mercado socialmente desejáveis. Com isso, critérios outros, além do menor preço, vêm sendo cada vez mais incorporados aos processos licitatórios para fins de seleção do parceiro
privado, tais como a eficiência e o respeito ao meio ambiente, aos direitos humanos, sociais e trabalhistas, bem como às tradições culturais da população local. 1

A licitação não se enquadra mais como um mero procedimento utilizado pela Administração Pública na busca pela proposta mais vantajosa. Tornou-se um instrumento de fomento e com caráter regulatório, bem como um veículo de
garantias de interesses coletivos e do desenvolvimento nacional.

A importância na lisura nas contratações públicas, em virtude dos vários escândalos de corrupção envolvendo particulares e o Poder Público, culminou com legislações que obrigam empresas que pretendem contratar com determinadas Administrações Públicas Estaduais implementarem programas de integridade, sob pena de sanções de multa e impedimento de contratar com tais administrações caso não cumpram as exigências legais estipuladas.

A preocupação com a institucionalização de programas de integridade, que te por objetivo prevenir a prática de atos de corrupção nas relações das empresas privadas com o Poder Público, já pode ser percebida em alguns diplomas
legislativos, como, por exemplo, a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) que prevê, como critério para fixação de sanções, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica e a Lei nº 13.303.2016 (Lei das Estatais), que exige a elaboração e a divulgação de Código de Conduta e Integridade no âmbito das empresas estatais. 2

1 ACOCELLA, Jéssica; RANGEL, Juliana Cabral Coelho. O papel regulatório e de fomento das licitações públicas.
Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 40, p. 269-312, dez. 2013. Disponível em:
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/2432. Acesso em 15 de maio de 2019.

2 OLIVEIRA. Rafael Carvalho Rezende; MARÇAL. Thaís. Compliance nos contratos públicos irá oxigenar
as relações público-privadas. Disponível em: http://roaa.adv.br/artigo-do-prof-e-socio-do-roaa-dr-
rafael-oliveira-sobre-compliance-nos-contratos-publicos-e-publicado-no-conjur/. Acesso em: 15 de maio de
2019.

  1. LEGISLAÇÃO ABRANGENDO PROGRAMAS DE INTEGRIDADE E A CONTRATAÇÃO COM A ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA

A Lei Estadual nº 7.753/2017 dispõe sobre a instituição do programa de integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.

Conforme art. 1º da norma, fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio convênio ou parceria público-privada com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.

Em seu art. 4º, a Lei 7.753/2017 prevê que os programas de integridade serão avaliados conforme parâmetros baseados no Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013. Fato importante sobre a legislação fluminense diz respeito à fiscalização da implementação do programa de integridade, que ficará a cargo do gestor do contrato e, na falta deste, do fiscal do contrato, não implicando interferência na gestão das empresas nem ingerência de suas competências, devendo ater-se a responsabilidade de aferir o cumprimento do disposto na lei, o que se dará através de prova documental emitida pela empresa, comprovando a implantação do Programa de Integridade.

A legislação autoriza o Poder Público a contratar empresas de consultoria especializadas na realização de treinamento com foco na detecção de casos de fraude e corrupção, objetivando a capacitação de servidores do Estado do Rio de Janeiro no que tange aos principais aspectos relacionados à identificação de condutas de fraude e corrupção.

Na mesma linha da legislação do Rio de Janeiro, foi editada a Lei Estadual nº 6.112/2018, alterada pela Lei nº 6.308 de 13/06/2019, que dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação do Programa de Integridade nas empresas que
contratarem com a Administração Pública do Distrito Federal, em todas as esferas de Poder.

A aplicação da Lei nº 6.112/2018 é mais abrangente, estabelecendo a obrigatoriedade do Programa de Integridade a todas as pessoas jurídicas que celebrem consórcio, convênio, concessão, parceria público-privada e qualquer outro
instrumento de contratação direta ou emergencial, pregão eletrônico e dispensa ou inexigibilidade de licitação com a administração pública direta ou indireta do Distrito Federal em todas as esferas de poder, com valor global igual ou superior a R$ 5.000.000,00.

Em seu art. 6º, a Lei 6.112/2018 prevê que os programas de integridade serão avaliados conforme parâmetros baseados no Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei nº 12.846/2013. Pelo descumprimento da exigência prevista na Lei, a Administração Pública do Distrito Federal, em cada esfera de Poder, aplica à empresa contratada multa de 0,08%, por dia, incidente sobre o valor atualizado do contrato. O cumprimento da exigência estabelecida nesta Lei, mediante atestado da autoridade pública da existência e aplicação do Programa de Integridade, faz cessar a aplicação da multa, no entanto, o cumprimento extemporâneo da exigência da implantação não implica
indébito da multa aplicada.

Diferentemente da legislação do Estado do Rio de Janeiro, a legislação do Distrito Federal prevê que a fiscalização da implementação dos programas de integridade não ficará a cargo do gestor do contrato e, na falta deste, do fiscal do
contrato. A legislação estabelece que a fiscalização será feita por órgão ou entidade fiscalizadora definida em ato do chefe de poder respectivo.

2.1. Programa de integridade: condição de participação em licitação ou de contratação com a Administração Pública?

Um ponto relevante a ser levantado na questão da obrigatoriedade da implementação de programas de integridade pelas empresas, uma vez vencedoras de licitações nos moldes das legislações estaduais citadas neste artigo, pretendem contratar com a Administração Pública, é a questão: a implementação do programa de integridade seria, grosso modo, uma condição de participação no processo licitatório?

Note-se, que não se trata de exigência de habilitação da empresa no procedimento licitatório, ou seja, a implantação do programa de integridade não é condição de participação na licitação e sim condição para contratação.

Inegavelmente, as pessoas jurídicas que já possuem ou estão em estágio de implementação do programa de integridade, quando da contratação junto à Administração Pública, encontram-se em vantagem em relação às demais que ainda não detém o planejamento, porém, não há restrição à competitividade, uma vez que qualquer empresa está apta a participar do certame.

A implementação de programas de integridade requer treinamento especializado e alto custo, o que reflete, inclusive, na formulação de propostas, tendo em vista que as despesas com o programa ficam a cargo das contratadas.

Faz-se mister observar que a exigência de programas de integridade das empresas que pretendem contratar com a Administração Pública deve ser aplicada às contratações de maior vulto econômico, de modo a evitar que a intenção de proporcionar maior integridade nas contratações públicas seja uma ferramenta de restrição de competitividade e gerador de prejuízos às empresas, onerando o custo das contratações.

Jamile Ciota

Membro da COPEC e da Divisão Jurídica da FEDERASUL.