Corrupção no Brasil: o futuro em risco
A queda do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção reflete não apenas fragilidades institucionais, mas também nossa tolerância cultural com práticas ilícitas.
A corrupção é um fenômeno complexo que afeta profundamente o desenvolvimento econômico, político e social de uma nação. No caso do Brasil, a corrupção tem sido um obstáculo persistente ao progresso, comprometendo a confiança nas instituições e minando a eficácia das políticas públicas. Recentemente, o país registrou sua pior nota e posição no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), elaborado pela Transparência Internacional, destacando a urgência de uma análise aprofundada das causas dessa deterioração e das medidas necessárias para reverter esse cenário.
Não tenhamos ilusões. Se a melhor forma de prever o futuro é observar o passado, superar as mazelas da corrupção será um trabalho lento e para muitas gerações. A tolerância com a corrupção no Brasil tem raízes históricas e começou no modelo extrativista da colonização portuguesa: o interesse dos portugueses era enviar as riquezas a Portugal e voltar para casa, e não criar raízes aqui. Se, por um lado, era difícil encontrar pessoas que viessem ao Brasil para exercer controles mais rígidos do que acontecia na colônia, por outro, por um período Portugal adotou a pena de exílio para os crimes lá cometidos, transformando a colônia num depósito de criminosos. Ainda, como a intenção era, em geral, enriquecer com a política extrativista e retornar a Portugal, não havia grande preocupação com a falta de moralidade pública na administração da colônia e nem valeria a pena investir numa infraestrutura adequada para assegurar que as leis fossem cumpridas.
Outro ponto interessante: em Portugal o poder era centralizado, mas aqui, em face da nossa extensão territorial, o poder foi descentralizado nas mãos dos grandes latifundiários, criando uma aristocracia em torno do poder dos coronéis que ficou difícil de controlar. Paralelamente, a administração pública se desenvolveu na base de privilégios concedidos pelo Império e os cargos públicos eram preenchidos com base em critérios pessoais e vistos como uma oportunidade de ganhos privados e subornos.
Toda essa história, tão bem contada nos livros de Faoro, Buarque de Holanda e Murilo de Carvalho, serve, de certo modo, para explicar essa tolerância com a corrupção – tolerância manifestada no âmbito dos Três Poderes em atitudes como a criação das emendas de parlamentares sem rastreabilidade, em total contraste com o princípio da publicidade orçamentária; como a cegueira judicial para o conflito de interesses em face de causas patrocinadas pelos escritórios de parentes dos magistrados; ou na vista grossa do Executivo, que mantém pessoas indiciadas pela Polícia Federal em cargos do alto escalão executivo sem maiores verificações.
Exemplos como esses, aos quais outros se somam, são extraídos do relatório do Índice de Percepção da Corrupção, recentemente divulgado pela Transparência internacional, e deixam o Brasil na sua pior posição na série histórica do Índice (IPC), desde 2012. O IPC é o principal indicador global que avalia a percepção da corrupção no setor público de 180 países e territórios, atribuindo notas que variam de 0 (altamente corrupto) a 100 (muito íntegro). Em 2024, o Brasil alcançou 34 pontos, ocupando a 107ª posição. Esse resultado representa uma queda de dois pontos e três posições em relação ao ano anterior, e uma diminuição de nove pontos e 38 posições em comparação com as melhores pontuações do país, registradas em 2012 e 2014.
O relatório aponta que, há uma década, o Brasil estava empatado com países como Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Essuatíni, sendo que apenas o Brasil e Essuatíni apresentaram piora em suas notas no índice. Atualmente, o Brasil está empatado com Argélia, Malauí, Nepal, Níger, Tailândia e Turquia (IPC, 2024). A piora na posição do Brasil no IPC pode ser atribuída a uma combinação de fatores estruturais, institucionais e culturais que perpetuam a corrupção no país.
Entre as principais causas, destacam-se (a) a falta de robustez nas instituições brasileiras, facilitando a prática de atos corruptos.; (b) a ineficiência e a falta de transparência em órgãos públicos; (c) a burocracia, a complexidade dos processos administrativos e o excesso de regulamentações que levam indivíduos a buscar atalhos para a superação dos obstáculos burocráticos; (d) a impunidade e a lentidão do sistema judiciário, incentivando a continuidade de práticas corruptas, uma vez que os infratores não temem consequências legais; (d) o foro privilegiado para autoridades públicas é apontado como uma das causas da corrupção na política, pois cria um senso de impunidade entre os detentores de cargos públicos; (e) os altos níveis de desigualdade no Brasil, permitindo que indivíduos em posições de poder possam explorar vulnerabilidades sociais para benefício próprio; e, claro, (f) a cultura brasileira do “jeitinho”, que valoriza a flexibilidade e a adaptação de regras, o que pode levar à normalização de comportamentos corruptos.
É importante reconhecer que o IPC mede a percepção da corrupção, não a ocorrência real de atos corruptos. A Controladoria-Geral da União (CGU) emitiu nota destacando que o índice se baseia em pesquisas com grupos específicos, como empresários, e não representa a percepção geral da população. O órgão também argumenta que o IPC não captura avanços concretos no combate à corrupção, como melhorias na transparência e na governança. Mas nada disso justifica a apatia dos órgãos oficiais responsáveis pela fiscalização e combate à corrupção, notadamente a própria CGU e Ministérios Públicos, já que o tema praticamente desapareceu dos discursos oficiais e dos noticiários.
No entanto, é um equívoco pensar que a corrupção é um tema cuja responsabilidade recai prioritariamente no Poder Público. Não é. A corrupção é uma responsabilidade do setor privado – cidadãos e empresas –, pois somos nós que sentimos seus mais nefastos efeitos. A corrupção não apenas agrava as
desigualdades sociais ao desviar recursos que deveriam ser destinados a serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, mas também impõe sérios prejuízos ao setor privado, minando a competitividade e a integridade do ambiente de negócios. Ao distorcer a concorrência, a corrupção favorece empresas e indivíduos que, sem essa prática ilícita, não se destacariam por mérito ou eficiência, mas tão somente por causa de conexões e vantagens indevidas. Isso cria um cenário de incerteza jurídica e econômica, desestimulando investimentos e inovação, além de elevar os custos operacionais para as empresas que seguem as regras, tornando-as menos competitivas. Dito de outro modo, a corrupção não apenas enfraquece a confiança nas instituições públicas, mas também compromete a lógica de mercado, prejudicando o crescimento sustentável e afastando negócios comprometidos com a transparência e a ética empresarial.
Diante desse cenário, torna-se evidente que o combate à corrupção exige não apenas discursos inflamados, mas investimentos efetivos e contínuos, tanto de ânimo quanto financeiros, por parte das empresas e da sociedade civil. A estruturação robusta das áreas de compliance, com recursos suficientes e autonomia para agir, não deve ser vista como um custo, mas como uma necessidade estratégica para a integridade e sustentabilidade dos negócios.
Além disso, a vigilância dos pares se revela essencial: a corrupção só prospera em ambientes que naturalizam privilégios e perpetuam o tratamento desigual entre indivíduos e organizações. A impunidade não é apenas fruto da leniência das instituições, mas da omissão de todos que, ao se calarem diante de práticas antiéticas, perpetuam um sistema disfuncional do qual, por ironia, serão as próprias vítimas. Assim, enfrentar a corrupção requer uma mudança de mentalidade, na qual a ética não seja apenas um princípio abstrato, mas um compromisso diário de todos os agentes econômicos e sociais.
Ana Paula Ávila é co-coordenadora da Comissão de Ética e Compliance da Federasul. É advogada e coordena a área de Compliance de Silveiro Advogados. É Presidente do CESA/RS, mestre e doutora em Direito pela UFRGS, mestre em Global Rule of Law pela Universidade de Gênova (Itália) e certificada em Gestão de Crise e em Cibersegurança para Gestores pelo MIT (EUA).