A pandemia e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos
A celebração de um contrato, estando ele sujeito às normas de Direito Público ou de Direito Privado, mais do que buscar a execução de seu objeto, deve primar pelo equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual. Esse objetivo estará alcançado quando as cláusulas e condições estipuladas no instrumento assegurarem a justa contraprestação pecuniária como retribuição pelo bem fornecido ou pelo serviço prestado pela contratada.
Isso somente será possível quando a parte contratante elaborar os estudos necessários para a perfeita definição do objeto do contrato, o estabelecimento da metodologia e do prazo de execução, bem como encontrar a precisa avaliação do custo.
Firmado o contrato e iniciada a execução, o equilíbrio deve ser mantido durante toda a execução, em especial para aqueles que tenham por objeto a prestação de serviços de natureza continuada, os de execução de obras e os que contemplam o fornecimento de bens com entrega parcelada e a longo prazo.
Em se tratando de contrato balizado por normas de Direito Público, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo está reverenciada na Constituição Federal, quando, num dos núcleos informativos contidos no inciso XXI, do art. 37, informa que os editais de uma licitação pública deverão conter cláusulas que “estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta”. A legislação infraconstitucional, com destaque para o Código Civil, para a Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos e para o Estatuto da Empresa Pública e da Sociedade de Economia Mista, contém disposições normativas com o mesmo objetivo.
A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato diz respeito ao regular cumprimento de suas cláusulas, com perfeita harmonia à pretensão das partes contratantes e em homenagem ao princípio da boa-fé. Pode-se dizer mais. A manutenção desse equilíbrio homenageia a honestidade da relação contratual, posto que a celebração de um contrato, administrativo ou privado, não pode se constituir em um “concurso de esperteza”, em que uma parte fica à espreita da ocorrência de um fato inusitado e que permita o enriquecimento exacerbado às custas da outra parte. Isso caracterizaria enriquecimento sem causa, prática vedada pelo ordenamento jurídico.
Como regra, nos contratos administrativos, quando se entabula um debate acerca da possibilidade de recomposição dos preços inicialmente contratados, por meio da concessão de reequilíbrio econômico-financeiro, busca-se um fato determinante, a partir da identificação de “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis” e que tornem excessivamente oneroso o cumprimento da obrigação por uma das partes, como referido no art. 65, inciso II, “d”, da Lei de Licitações.
Aqui, se torna necessária a identificação do que é fato determinante e do que se pode denominar de uma circunstância colateral.
A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato poderá restar autorizada sempre que houver uma alteração da metodologia de execução, tão somente para melhor adequação de seus objetivos, e desde que resulte no aumento dos encargos de uma das partes. Assim o fato determinante, no caso, é a alteração da metodologia de execução.
A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato também estará autorizada sempre que houver significativo aumento dos preços dos insumos que componham o custo final da contratação, inclusive a criação ou majoração de tributos e encargos legais. Estes constituir-se-ão em fatos determinantes.
Assim, é possível concluir que o equilíbrio econômico-financeiro de um negócio jurídico é condição indissociável para a perfeita sintonia dos elementos basilares que dão sustentação aos princípios da probidade e da boa-fé das relações contratuais.
A circunstância colateral, por outro lado, é um fato identificado e que produz reflexos sobre a execução do contrato. É a motivação do ato que determine a alteração da metodologia de execução ou da reformulação da composição de seus custos. Dito isso, certo é que a partir de meados de março de 2020, e em função da pandemia ocasionada pela doença Covid-19, a execução de muitos contratos foi afetada, seja pela redução ou mesmo pela interrupção de atividades comerciais, industriais e de serviços, por ordem das autoridades sanitárias. Tal evento impôs a necessidade de se promover alterações contratuais que podem ter tido um resultado danoso para uma das partes contratantes, ao ponto de inviabilizar a continuidade da execução, necessitando, então, a recomposição dos preços contratados.
A pandemia ocasionada pela doença Covid-19 é circunstância colateral que gravita em torno de um negócio jurídico, irradiando reflexos na execução de inúmeros contratos. Mas é a intensidade desses efeitos que determina a obrigatoriedade, ou não, na alteração da metodologia ou de outro fato determinante que imponha a recomposição dos preços, como ato vinculado e não discricionário.
A Advocacia-Geral e o Tribunal de Contas, ambos da União, já se manifestaram no sentido de que a pandemia da Covid-19 caracteriza “força maior” para a aplicação da teoria da imprevisão. Contudo, a recomposição dos preços contratados resultará da avaliação individualizada dos efeitos concretos na execução de um determinado contrato, sendo de menor importância qual foi a circunstância colateral que afetou o equilíbrio econômico-financeiro daquele.
Leonardo Duarte Dantas
Membro da Comissão Tributária e da Divisão Jurídica da Federasul
Volnei Moreira dos Santos
Ex-Procurador-Geral do Município de Canoas/RS