Há mais de 10 anos que acompanho o tema “compliance” e constato que a grande maioria de exemplos se refere a grandes empresas, que possuem estruturas inteiras dedicadas ao tema. Porém, a cultura de conduta ética nos negócios não pode se limitar a esta camada da economia. E essas grandes empresas fazem negócios com pequenas e médias empresas, obrigando-as, não raras vezes, a declararem seu conhecimento e compromisso com as regras de compliance.

Esta constatação, aliada à inquestionável dificuldade que as pequenas e médias empresas têm em criar e manter áreas de compliance me fez refletir sobre o que seria efetivamente importante que estas pequenas e médias empresas pudessem solidificar a cultura da conduta ética nos negócios.

Primeiramente, chamo a atenção para o tratamento que dou para “compliance” e “conduta ética nos negócios”. Para mim, são sinônimos e, como tal são designados nesta reflexão. Compliance não se resume a cumprir a lei, pois não há desculpa para não cumpri-la. Compliance é a definição da empresa de como vai se comportar na condução de seus negócios, tanto interna, como externamente.

Em segundo lugar, tal definição sobre seu comportamento, pode ser expresso num código de conduta ou numa declaração de princípios, ou não. Se a empresa quer efetivamente registrar seu comprometimento, deve fazê-lo por escrito, pois facilita a divulgação e os futuros ajustes.

Independentemente da existência formal de um código de conduta, pode-se semear a cultura de compliance através da atuação e reforço de alguns temas. E um dos que, na minha avaliação, mais impactam na criação e/ou manutenção da cultura de compliance é o “conflito de interesses”, ou seja, alguma situação que coloca o empregado (inclusive o dono da empresa) em um conflito entre seu interesse como empregado (interesse da empresa) e seu interesse particular.

Importante lembrar que, não necessariamente a ação de favorecimento precisa ocorrer, basta parecer! Ou seja, o simples fato de um empregado da área de compras ter um irmão que trabalha ou é dono de empresa fornecedora pode gerar dúvida sobre o seu procedimento. E, nesses casos é muito importante a empresa esclarecer como quer que o empregado aja!  Muitas vezes, os empregados não identificam esta situação, pois, evidentemente, não há lei que proíba uma pessoa de fornecer para empresa onde trabalha outro membro de sua família. Existem, entretanto, regras que proíbem os sócios e os administradores de tomarem decisões contrárias aos interesses da empresa (artigos 1010 e 1017, do Código Civil), além da legislação sobre este tema no exercício de cargo ou função pública (Lei nº 12.813/2013).

Por óbvio que as situações variam muito em função do ramo de atividades, mas existem alguns “sinais de alerta”, como parentes ou casais como chefe e subordinado, que podem gerar situações de favorecimento, empregados com parentes próximos em empresas concorrentes e que detenham informações privilegiadas, empregados de áreas sensíveis e que tenham parentes/vizinhos/amigos em empresas fornecedoras e outras. Todas essas situações podem ocasionar dúvida sobre o comportamento dos empregados, determinando a necessidade de definição clara acerca daquilo que a empresa espera de seus funcionários em tais circunstâncias.

O tema é sério e pode gerar danos às empresas, tanto de imagem, como perda de clientes e fornecedores e descontentamento do público interno. No caso de empresas estatais ou órgãos públicos, estas situações podem comprometer a impessoalidade dos atos relativos a compras ou contratos, por exemplo, ensejando a aplicação de penalidades administrativas e até condenações na esfera criminal. Além disso, fazer os empregados refletirem sobre a diferença entre seus interesses particulares e seu interesse como representante da empresa é um passo muito importante para disseminar a da conduta ética nos negócios. Os empregados e dirigentes não podem deixar que situações particulares influenciem suas decisões dentro das empresas.

Entendo que se trata de tema sensível e crítico para o sucesso do programa de compliance, pois tem reflexo tanto nas relações internas como externas da empresa.

Vera Rossana Martini Wanner

Membro da COPEC e da Divisão Jurídica da FEDERASUL.